sexta-feira, 14 de março de 2008

"as intenções não me chegam eu quero vê-las com tudo"

Entrevista com o pintor Fernando Lanhas
"Que obras escolheu para a exposição que é inaugurada hoje, em Lisboa, na Galeria DN?
Exponho quinze trabalhos recentes, alguns concluídos no princípio deste ano. Os mais recentes, no entanto, não aparecem porque ainda não estão executados: tenho uns três trabalhos para fazer, mas ando continuamente em realizações de várias ordem - e as coisas demoram a fazer.
Acaba de informar que tem mais trabalhos de pintura para terminar. Contudo, Fernando Lanhas costuma dizer que não é pintor?
Eu sou arquitecto, desenhei muitas casas; pintor não sou propriamente, nem sei se sei pintar. Gosto de fazer, gosto ver como as coisas são depois de feitas, só as intenções não me chegam eu quero vê-las com tudo. É por isso que gosto de fazer estes mapas do aparecimento da vida na terra, do universo, dos universos, que há mais do que um. Nós sabemos imenso, mas não entendemos aquilo que sabemos. Entender é saber mesmo. A gente compreende uma árvore mas não a entende, não sabemos bem a sua realidade.
Lanhas pintor é "preguiçoso"?
Nunca fui preguiçoso desde que nasci! Fiz outras coisas, estudei a origem do homem, a origem da vida, procurava saber. Eu não sou muitas coisas, não sou geólogo, a maior parte das coisas não sou.
O trabalho do arquitecto ocupou o tempo do pintor?
Uma pessoa não é várias; a pessoa é uma só. Quando olhamos para o céu, quando vemos o mar ou um calhau, quando temos vontade de tomar um apontamento e acrescentar cor, o homem é o mesmo.
É contemporâneo da geração neo-realista. Por que não se aproximou desse movimento?
Não me interessou.
Há alguma razão para esse desinteresse?
Não há razão nenhuma. Eu antes só estudava, fazia arquitectura e nada mais. A pintura e o desenho era uma extravagância que eu fazia, e gostava de fazer sozinho, sem qualquer entendimento com os colegas. O [Júlio] Pomar, por exemplo, trabalhava imenso. Quando vinha das Belas Artes, ele morava perto, gostava de conversar com ele. Nessa altura havia a Guerra, nós tínhamos poucas possibilidades de saber o que se passava no mundo.
Lanhas criou um caminho?
Não criei nada. Foi o que eu encontrei e segui-o, naturalmente, conforme os meus interesses, as minhas predilecções, conforme o que ia sentindo ou pressentindo. As outras coisas não me interessavam. Saber do Céu não é um acontecimento que passa ao lado, estou muito interessado nessas coisas e continuo. O que se está a passar aos poucos pelo universo fora é o que mais preocupa, não é a pintura, é saber essas coisas. A pintura é um desabafo que nós temos, fácil de realizar.
Há alguma cor preferida para esses seus "desabafos"?
Num momento da minha vida, talvez durante 30 anos, procurei fazer a pintura segundo as cores que parecem ter chegado ao fim. As cores que encontramos nos montes, numa penedia parece que não salta ali nada de especial, não notamos cores especiais numa montanha, numa serra.
Uma paleta discreta?
Criei uma paleta, quer dizer, uma colecção de seixos das praias, com cores queimadas, tisnadas , cor que já não se reparava: ninguém vê na praia um calhau amarelo vivo, vermelho vivo, azul vivo. Mas partindo esse calhau pode ter-se uma surpresa.
Usou sempre essas cores?
Copiei essas cores em muitos quadros. Queria fazer uma pintura em que não se notasse. Às vezes, encostava uma pintura à parede, as pessoas passavam e não reparavam, eu achava divertido: tinha conseguido alguma coisa. Ultimamente, nas pinturas que tenho feito, não tive essa preocupação, embora utilize sempre cores quebradas, cores amortecidas.
Não chama à atenção pela cor.
Não quero chamar a atenção para nada, nem quero a pessoa muito a ver o quadro, a ver a pintura ou que for. A pintura não é um sinal de informação, como há os sinais de trânsito…
Falemos agora dos sonhos: continua a registá-los?
Continuo , os sonhos são muito importantes na vida de cada homem. Para a semana sai um livro com alguns dos meus sonhos.
Quantos sonhos guarda o livro?
Nunca conto as coisas que faço, mas deve ter cerca de 40. São alguns dos meus sonhos: não pude tratar de todos os que arquivei. Uma pessoa no fim da vida, e eu estou no fim da vida, tem sempre muitas coisas guardadas. Não sei quantos registei, podem ser mil, podem ser dois mil - agora publico os mais frescos, dos últimos dez anos.
Também desenha os sonhos?
Em princípio, desenho-os todos, quando há oportunidade de os desenhar, outros são registados. Alguns são apenas uma linha, fruto de algo que me perturbou durante o sono: no dia seguinte, escrevo o sonho, mas não dá para o desenho.
Lembra-se do sonho mais importante?
Não tomo nota dessas coisas.
E do último?
Foi há menos de um mês. Sonhei que passava aqui numa rua do Porto e vi muita gente a retirar godos de trincheiras. Depois partiam esses seixos, em fatias, como se fosse pão, e levavam ao forno. Dentro dos seixos havia um fermento antigo. O sonho, mais extenso e com pormenores curiosos, encerra o livro.
Há alguma relação entre esse sonho e o coleccionador de seixos?
Não sou coleccionador de seixos. Às vezes faço aplicações de pintura sobre os seixos rolados, perfeitos, o que é difícil de fazer: um calhau está feito, não precisa de nada. As pessoas não costumam olhar para os calhaus porque são muitos, e o que é abundante não se repara. É como o Céu."
- FRANCISCO MANGAS, Diário de Notícias,14.03.08

1 comentário:

Unknown disse...

muito bom ler aqui a entrevista ao Lanhas :)

o teu blogue tem é umas cores que...bálhanosdeus!... tem má leitura.

;**