Sebenne ha fatto tremare qualcuno il bello sorriso di questo Germano, sarà megliore che nessuno vada in cinema ni esca di casa. Soltanto caminare come un asino nella strada curva andrà bene.
"Il Tg1 censura Germano
L'ultima beffa di Minzolini: accampare un errore tecnico per non far ascoltare le critiche al governo pronunciate dall'attore a Cannes
«Siccome i nostri governanti in Italia rimproverano sempre al cinema di parlare male della nostra nazione, io volevo dedicare questo premio all'Italia e agli italiani che fanno di tutto per rendere l'Italia un paese migliore nonostante la loro classe dirigente».
Questa la frase pronunciata dall'attore Elio Germano durante la proiezione a Cannes. Una frase che i telespettatori italiani non hanno potuto sentire, perché l'audio del Tg1 si è improvvisamente azzerato. Il conduttore in studio ne ha quindi fatto un breve riassunto, omettendo il riferimento ai «nostri governanti» e lasciando solo quello alla «classe dirigente».
Al Tg1 ovviamente parlano di un problema tecnico: giustificazione molto singolare, perché su tutti gli altri telegiornali del mondo la frase di Germano si sentiva benissimo" - in http://espresso.repubblica.it/
segunda-feira, 24 de maio de 2010
quarta-feira, 28 de abril de 2010
Júlio Pomar
por Ana Soromenho (www.expresso.pt)
12:50 Domingo, 25 de Abril de 2010
"Fala baixo e tem longos silêncios, a meditar nas palavras. Mas responde sempre. Júlio Pomar, o pintor cuja obra documenta a passagem dos tempos sombrios do antigo regime para as cores festivas da democracia, recebeu-nos na sua casa no centro de Lisboa para uma conversa que decorreu ao ritmo de duas tardes.
Aos 84 anos, continua a dividir o seu tempo entre Lisboa e Paris. "Nesta altura do campeonato, não me dava jeito mudar de hábitos", afirma. "Paris é como viver em Lisboa e ter uma casa de campo." Gosta de fazer blagues e usa a ironia com delicadeza. O artista português que fez o polémico retrato de Mário Soares enquanto Presidente da República sem pompa de estadista é um ser irrequieto. Impacienta-se se não sobe ao sótão, onde está o ateliê, várias vezes ao dia. A casa de dois pisos está repleta de obras que nos revelam o gosto do pintor: Matisse, Tapies, Bonnard... Muitos amigos também, como Paula Rego, Fernando Dacosta, Costa Pinheiro, Menez... Paramos nas escadas: "Sabe o que é isto?" Olhamos uma composição em papel cheia de letras minúsculas azuis e vermelhas. Um labirinto gráfico e indecifrável. "É um capítulo inteiro do Lobo Antunes. É assim que escrevia os livros, nas folhas do Miguel Bombarda. Não é incrível? Demorei que tempos a conseguir."
Vive rodeado de quadros. Que relação tem com cada um deles? Tenho sobretudo uma relação afectiva. E por uma relação afectiva passa tudo. Não nos podemos empobrecer.
Também há obras que são suas. Como escolhe os quadros que pendura em casa? Vou mudando. Aquele ali, por exemplo aponta por uma composição de vários quadros, fico a olhar para ele e acho que ainda lhe vou pegar... Parece-me que não está terminado.
Pinta todos os dias? Todos. O ateliê é um vício. Mas cada vez demoro mais tempo a fazer as coisas. Neste momento, estou a acabar uma encomenda e já estou atrasado. A continuar assim, não me dá para o tabaco.
Trabalha em várias obras em simultâneo? Sim. Nunca me dedico a um só quadro. Sou uma pequena muito volúvel (risos).
O que anda a fazer? Estou a acabar duas coisas: um selo para as comemorações do Centenário da República e uma outra a pedido da Comissão das Comemorações. É uma imagem que vai ser serigrafada e oferecida pela comissão a quem - como diziam as senhoras de antigamente - ficaram a dever favores. É isto.
Ainda sente prazer em pintar? Se não sentisse prazer, ou necessidade - e as duas coisas estão completamente ligadas -, não pintava.
Quando inicia um trabalho, por onde começa, pelo desenho? O desenho é uma coisa sumária. Normalmente, começo por ver se me desenrasco. Nesta encomenda, por exemplo, parti desta ideia, sem imaginação nenhuma, de pegar num cara portuguesa para representar a República. Mas vamos lá tentar responder à sua pergunta: como começa uma ideia? Geralmente, por uma coisa muito nebulosa, uma intuição, que se vai tornando consciente através de uma espécie de jogo de escondidas entre o consciente e o inconsciente.
O seu modelo para representar a República foi a fadista Cristina Branco. Porque é que a escolheu? Ela é a verdadeira cara portuguesa. Nunca tinha ouvido falar da Cristina até um dia em que vi no Théâtre de la Ville, em Paris, um grande retrato muito bonito da cabeça dela. Dias depois estava lá em casa.
Também se dá muito com a cantora Mariza. Anda a escrever-lhe fados. Ela pediu-me, mas ainda não assentámos nada, que ela anda sempre de rabo alçado...
Como é que aconteceu essa amizade? Na inauguração da minha retrospectiva, em Sintra, ainda no Museu Berardo 2004, houve um jantar informal num restaurante muito pequenino que fica ali mesmo em frente ao museu. Eu tinha pintado as portas da casa de banho, por paródia, e no fim do jantar ela cantou, sem microfone, só com uma guitarra, encostada ao balcão. Foi muito divertido.
Sempre foi de amizades femininas. É verdade.
Afirmou mesmo que em Portugal os artistas de maior vitalidade são mulheres. Estaria a referir a Paula Rego e a Menez, duas grandes amigas suas? Estava a referir-me a elas, mas não só. Da geração da Vieira ficou-nos a Vieira. Se viermos por aí fora, observamos o que lhe estou a dizer com uma grande evidência. Embora haja muito mais homens a trabalhar, as mulheres têm uma tendência para chegar a situações mais interessantes.
Ainda vê a Paula Rego? Recentemente, por dificuldade de circunstâncias, tenho estado pouco com ela. Víamo-nos muito por altura da Menez. Geralmente, quando a Paula estava em Portugal, apareciam as duas aqui no ateliê, e repetia-se sempre uma cena muito cómica. Elas vinham ver o que eu estava a fazer, e a Paula costumava dizer: "Mas isto já está pronto!" Eu respondia: "Não está pronto coisa nenhuma!" Daqui partíamos para uma discussão que também terminava sempre com a Menez a dizer: "És parvo!" Porque eu nunca queria dar o braço a torcer, nem considerar o quadro pronto risos.
Elas eram mais rápidas a terminar as obras? Talvez não tivessem esta mania de coçar a ferida... A Paula seguramente não tinha. A Paula é de jacto. Embora eu também possa ter jactos, depois volto atrás. Vejo porque é que fiz isto, aquilo...
É apego? É vício. Maneira de ser. Não tenho apego às coisas que faço. Quando estão acabadas, esqueço-as. O apego só existe enquanto a obra é susceptível de transformação.
Voltando aos amigos, disse que também são um vício, e tem esta frase muito bonita: "Largo tudo por um amigo. Os amigos são uma necessidade biológica." Mas agora também é difícil ter amigos. Aliás, sempre foi. Sou de amigos, mas não indiscriminadamente.
Como é que hoje pratica a amizade? Hoje já não se escrevem cartas, e eu não escrevo e-mails. Sou de ver e de estar.
E quem faz parte do núcleo? (pausa) O António Lobo Antunes, por exemplo, com quem normalmente estou a solo. O António tornou-se num bicho-do-mato e não fica contente se o acasalarmos. Saía muito com o Solnado na parte final da vida dele e, de vez em quando, vou ao Porto para ver os meus amigos arquitectos: o Siza, o Alcino Soutinho, o Rogério Cavaca e as senhoras respectivas. Em Paris, que também está a começar a ficar um bocado ratado, estava muito com o António Dacosta, que era, digamos assim, o meu companheiro mais próximo. Bom, isto talvez seja um bocado desagradável. Há pessoas com quem saio, como se costuma dizer, e é um pouco complicado nesta situação pública de amigos não as incluir.
De quem é que sente mais falta? Da Menez. E era isto precisamente que estava a tentar dizer. Há muitas pessoas com que me dou e de quem gosto muito. Mas chegar àquele nível de intimidade de tripas na mão é outra coisa. E, feito o balanço, sempre tive tendência para criar uma relação de intimidade mais franca com as mulheres.
Não é geralmente assim com a maioria dos homens? Talvez. Mas também não me quero armar nem em regra nem em excepção.
Também foi um homem de várias relações. Tive algumas, mas não exageremos...
Quantos casamentos foram? Ligações duradouras, umas cinco, ou coisa assim.
Já é uma vida... E comprida!
E o que aprendeu sobre o amor? A situá-lo como uma necessidade absoluta. Como o ar que se respira.
E a família, que lugar tem? Sou um péssimo elemento de família. Péssimo pai, péssimo tudo... Sempre fui.
Isso pesa-lhe? Um bocadinho. Nunca dei à família a atenção que dá a maioria das pessoas.
Sempre sentiu isso ou é um balanço de agora? É um balanço. As coisas sempre me foram acontecendo naturalmente.
Na sua autobiografia, em que faz uma selecção de obras, não tem um retrato da Menez, embora seja um homem do retrato e tenha pintado os amigos. Pois não, nunca o fiz. Engraçado... E, a bem dizer, nunca me lembrei disso. Vê como as pessoas são esquisitas?
Se hoje fizesse o retrato de Mário Soares, outro grande amigo, como o que fez para o representar enquanto Presidente da República e que foi tão polémico, ainda o pintaria da mesma maneira? Sim. Mas o que posso dizer? Contrariamente àquilo que as pessoas julgam, tenho muito pouco controlo sobre o que faço. Sai-me como um furúnculo que tem de se espremer.
Refere-se a si como pintor, não como artista, como agora se usa. Ah, sim! Não que não tenha feito outras coisas, mas o eixo está aí. Não é mal nem bem, é assim.
Também escreve poesia e já editou. E quem não escreve poesia neste país? Quando frequentava a António Arroio, o meu companheiro número um era o Mário Cesariny. Evidentemente que faltávamos a muitas aulas e íamos para os campos do Areeiro, que só tinham carneiros a pastar, e era poesia para cá, poesia para lá... A primeira vez que publiquei foi porque o Herberto Helder quis pôr uns versos que eu tinha escrito numa antologia que editou. Chamava-se "Nova".
Como conheceu o Herberto Helder? Nas vidas de Lisboa, no final dos anos 60, quando ele ainda não era um personagem tão fechado. Com o Mário Cesariny houve um incidente curioso, porque ele não conseguia passar a Matemática e eu dava-lhe explicações. Por esta altura, o Mário conheceu o Fernando Lopes Graça, ficou muito entusiasmado, propôs-se ter lições com ele, e a família disse-lhe: "Matemática está bem, mas isso das músicas é que não." Portanto, o meu salário de explicador foi partilhado com o Lopes Graça. Não sei se o Fernando chegou a saber disso risos.
E as explicações serviam para alguma coisa? Nunca passou de ano!
Nessa época, qual era a sua Lisboa? Morava na Avenida João Crisóstomo, as chamadas Avenidas Novas...
Foi aí que nasceu? Não! Nasci na Rua das Janelas Verdes, num quarto andar sobre o Tejo. Vivi nessa casa até aos 6 anos. Mas foi o suficiente para ficar com uma grande impressão. O Tejo dessa altura tinha uma vida de porto à antiga. Havia os navios que entravam, todo o trânsito de passageiros, e tinha um movimento incrível. Marcou-me muito. Naquela altura não se dizia rio, dizia-se o mar. Na linguagem de Lisboa, ir a Cacilhas era atravessar o mar. Mas do que me lembro fundamentalmente é da janela, do Sol a entrar pela casa e do que se passava lá fora. Era um espectáculo que mudava constantemente. Já nessa altura, o "menino", como se dizia, não emprenhava pelos ouvidos, mas pelos olhos. E assim ficou.
Com quem morava nessa casa? Com duas irmãs, mais velhas, e com a minha mãe. A história da família é simples. O meu pai morreu quando eu tinha um mês. A minha mãe tinha aprendido a tocar piano e a falar francês e foi trabalhar como secretária para um escritório de um judeu polaco na Rua de São Nicolau, na altura em que começaram a aparecer os judeus foragidos da Europa Central. Eu era muito miúdo, acompanhava a minha mãe ao escritório e ficava lá sentadinho a fazer bonecos ou a ver as imagens de um "Petit Larousse" ilustrado. Então, as imagens não eram fotografias, mas desenhos, e, para mim, aquilo era um paraíso. A vista da janela e o som da rua desse escritório, com a presença do eléctrico, muito activo, também me marcaram... Enfim, pareço o Ricardo Reis. Mas era assim exactamente a Lisboa que conheci. Há aqui outra história que é muito importante.
Conte lá. Para garantir assistência às crianças, fomos recuperados para um tio comerciante e com posses, que tinha armazéns ali ao Terreiro do Paço. Um dos armazéns dele era a Casa dos Bicos. Esse meu tio frequentava muitos jornalistas, sobretudo os ditos de esquerda, republicanos e tal... Lembro-me que às vezes me levava, depois do jantar, ao Café Nicola, e eu, com um sono medonho, ficava a ouvir as conversas. Naquela altura, havia muita conspiração. Após uma tentativa de golpe em que um dos participantes se refugiou lá em casa, e depois de o senhor já ter saído, apareceu a polícia. E o facto é que embarcou o meu tio - e o porteiro, que estava a tomar banho e que não abriu logo a porta - e vai tudo de cruzeiro para Timor! Foi deportado? Era assim que se dizia, e a consequência é esta. Entre os senhores que iam no barco, havia um velho republicano, escultor e professor de desenho, chamado Costa Mota Sobrinho. Deve ter acontecido o meu tio dizer: "Tenho lá em casa um miúdo que está sempre a desenhar", e o Costa Mota responder: "Manda-me o miúdo para a António Arroio." E assim fica a vocação decidida.
Quantos anos tinha? Teria 8. Ia como aluno de favor. Comecei a frequentar aquilo e nem sequer tinha a instrução primária.
Portanto, toda a sua 'gramática' foi sempre a do desenho. Sempre. Mas a António Arroio seguia um ensino académico que não tem nada a ver com a aprendizagem do desenho como é feita hoje. Os meninos exprimirem-se eram problemas metafísicos que nem se punham. Lembro-me do primeiro desenho que fiz, um modelo em gesso de uma folha de erva, estilizada, evidentemente. Agarrei num carvãozinho, desenhei o corpo todo da folha, simétrica, e depois no ponto em que se cruzavam todas as linhas fiz uma espécie de coisa como um umbigo, que não estava lá, mas achei que o desenho precisava de qualquer coisa. Claro que o professor apagou tudo e começou a mostrar como é que se fazia.
Ser artista estava fora dos contextos sociais daquela época. Foi uma sorte terem-lhe determinado a vocação. É preciso dizer que quando entrei para a Escola de Belas Artes era para seguir Arquitectura. A morte do meu tio facilitou a minha matrícula em Pintura. Acabei por ir fazer Belas Artes no Porto. Em Lisboa, a escola era dirigida por um homem perfeitamente horroroso, que tinha ideias muito exactas. Uma delas era que a António Arroio não dava a formação necessária para se ser arquitecto, de modo que chumbava sistematicamente quem vinha de lá.
Foi contrariado? Não! Em primeiro lugar, era uma saída de casa, e no Porto havia professores que tiveram uma certa importância na vida cultural do país: Dórdio Gomes, de Pintura; Carlos Ramos, de Arquitectura... Foi uma abertura do ponto de vista do ambiente académico e não só. O Porto tinha outra grande característica, pelo menos no que diz respeito às chamadas artes, que era a convivência entre os estudantes e os adultos. É claro que a participação política já aproximava as gerações. Nos cafés frequentados pelos estudantes de Belas Artes, o Majestic, a Brasileira, quase não havia separação entre um estudante do primeiro ano, como eu, e um adulto. Claro que eu era um aluno especial...
Porquê? Porque vinha de Lisboa e já punha quadros nas exposições.
Tinha um certo estatuto? Exactamente. Mas a outros acontecia o mesmo. Isso só tinha importância na medida em que me veio parar às mãos o primeiro trabalho importante que fiz.
O mural para o Cinema Batalha. Foi uma boa encomenda? Até me casei!
Quantos anos tinha? 20. Um disparate pegado. Mas a encomenda dessa obra apareceu, e isto é preciso que se explique - e não pense que é uma coisa de modéstia, aí seria completamente parvo -, porque as condições facilitaram muito. Eu e uns colegas de Belas Artes tínhamos feito uma exposição em Lisboa, num quarto alugado na Rua das Flores a que chamávamos pomposamente ateliê, e foi tudo ver, porque naquela altura não se passava nada! Portanto, quando havia qualquer coisa, nem que fossem uns miúdos a fazer uma exposição, toda a gente ia ver. Estou a falar nisto por causa da estranheza do facto. Havia uma certa facilidade para um jovem principiante poder saltar da trincheira para fora.
O primeiro quadro que vendeu foi nessa exposição, precisamente ao Almada. Lá está, o Almada só foi lá espreitar porque tinha tempo.
Que quadro era? Um pequeno cartão com uma série de saltimbancos.
Sentiu-se orgulhoso? Claro!
O Cinema Batalha abriu com a pintura por acabar. Foi por essa razão que esteve quatro meses preso em Caxias? Também.
Na altura, já era militante do Partido Comunista? Isso foi antes. Ainda antes do Movimento de União Democrática MUD. Não fui preso na qualidade de militante comunista. Dadas as circunstâncias da minha vida naquele tempo, seria muito difícil não acontecer.
Quem o introduziu no PC? O Guilherme Carvalho. Era meu amigo e vizinho no Porto. Conheci-o ainda antes de ele ter entrado para a clandestinidade. Coisa que, aliás, não renego nem rejeito e que me foi muito útil.
Útil em que sentido? Primeiro como plataforma. Era um local de acesso para um certo entendimento e convívio com uma elite intelectual, nunca esqueçamos isso. Tive uma saída que não foi espectacular, não fui hostilizado nem hostilizei. Simplesmente deixei de ir.
Dava-se bem com a disciplina do partido? Não. Mas tive uma vida activa, não foi só "31 de boca"...
Em relação a este assunto e à sua passagem por Caxias, parece querer manter uma certa reserva. Sabe, é que eu sou pato mudo.
Até agora não me pareceu nada. Ah! Mas sou! E, se há mais pessoas a falar, calo-me logo. Também já percebi que, se falam comigo por simpatia, não é preciso responder, porque não estão à espera de resposta. Experimente nessas reuniões não responder ou dizer uma coisa que não tem nada a ver...
Nas inaugurações, como é que faz? É uma coisa horrorosa! Vou às minhas com um sorriso estampado.
Aí é o anfitrião. Claro. Não posso fazer como o Herberto Helder. Aí sou igual aos outros. Sou mau actor, mas também sou capaz de representar.
Mas aos artistas também se permitem maiores excentricidades. Até certo ponto. Essa situação de me armar em fenómeno não me agrada nada. Detesto os Dalís de serviço.
Acompanha o que hoje se produz? Deixei de frequentar assiduamente exposições. Hoje assiste-se a uma mediatização de coisas que ficariam completamente na sombra. Basta ir aos museus e ver que a maior parte do que lá está tem uma qualidade bastante medíocre. O que é próprio desta coisa que a gente gosta, e à qual chama Arte, é que de repente aparecem uns fulanos que rebentam com tudo, nos forçam a vê-los, a pensar neles e a esquecer completamente todos os outros.
Como sabemos se estamos, inequivocamente, perante uma obra de excepção? Penso que é o poder que ela tem de ficar a mandar. E, neste sentido, posso falar de transcendência.
As obras que provocam esse efeito em si são as mesmas ou foram-se alterando? Alteraram-se, claro. Das primeiras paixões que tive foi um Goya. Nessa altura passei ao pé do Velázquez e não o entendi. Com os anos, a situação inverteu-se. Um pintor que tive muita dificuldade em entender, mas que cada vez me cavalga mais, é o Poussin. Foi sempre uma grande discussão com a Menez, porque ela foi sempre cavalgada pelo Poussin.
Quantas horas é capaz de se perder a olhar para um quadro? Não sei. A visão é um órgão muito frágil. Nunca medi o tempo que é possível estar a olhar para um objecto de que gosto em observação cuidada e estudiosa. Seria interessante ver. Trazemos para casa livros com as imagens dos pintores de quem gostamos. Depois, a frequência com que são vistos é que é extremamente curiosa, e é isso o que mede a frequência do diálogo.
E os reencontros com um quadro seu que perdeu de vista, como são? Isso gosto muito, de reencontrar coisas que perdi de vista! Quer dizer, posso gostar muito, mas se não traz surpresa é um bocado desagradável risos. Exactamente porque tenho este bicho-carpinteiro dos meninos que não param quietos.
Qual é o museu que gosta de revisitar? O primeiro grande museu que vi foi o Prado e continua a apetecer-me.
E onde gostaria de ficar exposto? Oh, diabo! Há aquela história célebre do Picasso que em tempos, quando o Malraux era o ministro da Cultura, vai uma noite ao Louvre com os seus quadros para os pôr ao lado de outros. Isto seria uma coisa que nunca me passaria pela cabeça. Posso estar tremendamente enganado, mas acho que tenho um raio de uma maneira de ser que se calhar com a idade começa a ficar ridícula.
Não diga isso. Deixe-me dizer disparates! Lembro-me que, quando fui para Paris, fiquei uns anos sem vir cá. Deve ter sido em 1966. Quando voltei, juntei amigos de várias gerações num almoço. Então era um bocado mais novo do que sou hoje e já tinha sido catapultado. Descontraidamente, disse que achava que éramos todos uns putos e que estávamos todos a começar. Fui muito mal visto, porque os putos não gostam que lhes chamem putos e os que não são putos não gostam de ser considerados putos. Foi um frio muito grande!
Não respondeu sobre o museu onde gostaria de ter uma obra sua. O Prado. Onde, de resto, levei a minha primeira inundação de pintura. Como já está a ver da conversa, sempre fui muito respeitador da tradição.
Foi para Paris em 1963, mas não chegou a estar exilado, pois não? Não, nunca estive, sempre vim regularmente a Lisboa. Fui com uma bolsa e também com contrato para uma galeria, que era uma coisa rara.
Foi fácil sair? Nessa altura já tinha os dois filhos. Coincidiu com o fim de uma relação e o começo de outra. Tudo isto anda pegado.
Atraía-o a ideia de internacionalização ou era sobretudo a experiência de Paris, a cidade mítica da sua geração? Tinha muito a ver com essa questão da aprendizagem e do acesso às fontes. Tive sempre uma dependência grande dessa coisa da cultura e da vontade de aprender. Nunca gostei de estar sozinho.
E o reconhecimento? Evidentemente que é importante.
Chegou onde quis? Não. Acho que foi fundamental a mudança, mas dizer que tive implantação no meio parisiense não é verdade. É um meio muito grande, que não é nada fácil. Essas coisas não acontecem sozinhas. É preciso todo um círculo de relações para as coisas funcionarem, e eu nunca o cultivei.
A sua Paris eram os amigos, os artistas portugueses. É normal, todos o fazem. Dessa geração que saiu para Paris no final dos anos 60 - René Bértholo, Lourdes Castro, Costa Pinheiro, Eduardo Luís, Jorge Martins -, eu era o mais velho e tinha condições, a uma escala muito reduzida, evidentemente, para não fazer outra coisa senão pintar. Fui com as costas quentes, como se diz.
Quando é que começou a dar conta do seu estatuto? Qual estatuto?
O do pintor a quem se encomenda a obra para as comemoração da República... Há mais.
O seu nome não faz parte da galeria dos consagrados? (Risos) Isso do estatuto é uma coisa que nos vamos dando conta aos bocadinhos, não aquece nem arrefece. Claro que é mais agradável do que o contrário, sem dúvida.
O que é que lhe permite? Nada em particular. Evidentemente que se isso traduzir uma certa simpatia é agradável. Uma vez, parámos em Fátima para almoçar no Tia Alice e, quando chegou a altura da conta, disseram que era uma honra. Fiquei todo babado, nunca me tinha acontecido uma coisa dessas. Também acontece muito os meninos virem pedir um desenho num bocado de papel. Normalmente, são os papás que instigam.
E faz? Faço sempre.
Vai ter uma fundação com o seu nome... Houve problemas com as obras. Mas, agora, espero que o assunto fique de uma vez por todas desbloqueado.
O projecto é do arquitecto Siza Vieira. Foi escolha sua? Foi. Somos amigos, e ele é um grande arquitecto. Andarmos nisto é óptimo, porque é um pretexto para a gente se ver.
"O acaso é a matemática mais rigorosa que se oferece a cada pessoa." Esta frase é sua. Explique lá. Nunca percebi muito de matemática, mas sempre que falei sobre coisas destas, com gente da Matemática, cheguei à conclusão que estas coisas vagas e nebulosas tinham sempre correspondência com coisas muito exactas.
No seu caso, quais foram os seus acasos matemáticos? Por exemplo, o quarto andar da Rua das Janelas Verdes, esse acaso de ter lá nascido condicionou a minha vida toda e os acontecimentos que vieram depois. "Le hasard et la nécessité..." Tudo isto anda ligado com as ciências exactas. Eu não invento coisa nenhuma."
12:50 Domingo, 25 de Abril de 2010
"Fala baixo e tem longos silêncios, a meditar nas palavras. Mas responde sempre. Júlio Pomar, o pintor cuja obra documenta a passagem dos tempos sombrios do antigo regime para as cores festivas da democracia, recebeu-nos na sua casa no centro de Lisboa para uma conversa que decorreu ao ritmo de duas tardes.
Aos 84 anos, continua a dividir o seu tempo entre Lisboa e Paris. "Nesta altura do campeonato, não me dava jeito mudar de hábitos", afirma. "Paris é como viver em Lisboa e ter uma casa de campo." Gosta de fazer blagues e usa a ironia com delicadeza. O artista português que fez o polémico retrato de Mário Soares enquanto Presidente da República sem pompa de estadista é um ser irrequieto. Impacienta-se se não sobe ao sótão, onde está o ateliê, várias vezes ao dia. A casa de dois pisos está repleta de obras que nos revelam o gosto do pintor: Matisse, Tapies, Bonnard... Muitos amigos também, como Paula Rego, Fernando Dacosta, Costa Pinheiro, Menez... Paramos nas escadas: "Sabe o que é isto?" Olhamos uma composição em papel cheia de letras minúsculas azuis e vermelhas. Um labirinto gráfico e indecifrável. "É um capítulo inteiro do Lobo Antunes. É assim que escrevia os livros, nas folhas do Miguel Bombarda. Não é incrível? Demorei que tempos a conseguir."
Vive rodeado de quadros. Que relação tem com cada um deles? Tenho sobretudo uma relação afectiva. E por uma relação afectiva passa tudo. Não nos podemos empobrecer.
Também há obras que são suas. Como escolhe os quadros que pendura em casa? Vou mudando. Aquele ali, por exemplo aponta por uma composição de vários quadros, fico a olhar para ele e acho que ainda lhe vou pegar... Parece-me que não está terminado.
Pinta todos os dias? Todos. O ateliê é um vício. Mas cada vez demoro mais tempo a fazer as coisas. Neste momento, estou a acabar uma encomenda e já estou atrasado. A continuar assim, não me dá para o tabaco.
Trabalha em várias obras em simultâneo? Sim. Nunca me dedico a um só quadro. Sou uma pequena muito volúvel (risos).
O que anda a fazer? Estou a acabar duas coisas: um selo para as comemorações do Centenário da República e uma outra a pedido da Comissão das Comemorações. É uma imagem que vai ser serigrafada e oferecida pela comissão a quem - como diziam as senhoras de antigamente - ficaram a dever favores. É isto.
Ainda sente prazer em pintar? Se não sentisse prazer, ou necessidade - e as duas coisas estão completamente ligadas -, não pintava.
Quando inicia um trabalho, por onde começa, pelo desenho? O desenho é uma coisa sumária. Normalmente, começo por ver se me desenrasco. Nesta encomenda, por exemplo, parti desta ideia, sem imaginação nenhuma, de pegar num cara portuguesa para representar a República. Mas vamos lá tentar responder à sua pergunta: como começa uma ideia? Geralmente, por uma coisa muito nebulosa, uma intuição, que se vai tornando consciente através de uma espécie de jogo de escondidas entre o consciente e o inconsciente.
O seu modelo para representar a República foi a fadista Cristina Branco. Porque é que a escolheu? Ela é a verdadeira cara portuguesa. Nunca tinha ouvido falar da Cristina até um dia em que vi no Théâtre de la Ville, em Paris, um grande retrato muito bonito da cabeça dela. Dias depois estava lá em casa.
Também se dá muito com a cantora Mariza. Anda a escrever-lhe fados. Ela pediu-me, mas ainda não assentámos nada, que ela anda sempre de rabo alçado...
Como é que aconteceu essa amizade? Na inauguração da minha retrospectiva, em Sintra, ainda no Museu Berardo 2004, houve um jantar informal num restaurante muito pequenino que fica ali mesmo em frente ao museu. Eu tinha pintado as portas da casa de banho, por paródia, e no fim do jantar ela cantou, sem microfone, só com uma guitarra, encostada ao balcão. Foi muito divertido.
Sempre foi de amizades femininas. É verdade.
Afirmou mesmo que em Portugal os artistas de maior vitalidade são mulheres. Estaria a referir a Paula Rego e a Menez, duas grandes amigas suas? Estava a referir-me a elas, mas não só. Da geração da Vieira ficou-nos a Vieira. Se viermos por aí fora, observamos o que lhe estou a dizer com uma grande evidência. Embora haja muito mais homens a trabalhar, as mulheres têm uma tendência para chegar a situações mais interessantes.
Ainda vê a Paula Rego? Recentemente, por dificuldade de circunstâncias, tenho estado pouco com ela. Víamo-nos muito por altura da Menez. Geralmente, quando a Paula estava em Portugal, apareciam as duas aqui no ateliê, e repetia-se sempre uma cena muito cómica. Elas vinham ver o que eu estava a fazer, e a Paula costumava dizer: "Mas isto já está pronto!" Eu respondia: "Não está pronto coisa nenhuma!" Daqui partíamos para uma discussão que também terminava sempre com a Menez a dizer: "És parvo!" Porque eu nunca queria dar o braço a torcer, nem considerar o quadro pronto risos.
Elas eram mais rápidas a terminar as obras? Talvez não tivessem esta mania de coçar a ferida... A Paula seguramente não tinha. A Paula é de jacto. Embora eu também possa ter jactos, depois volto atrás. Vejo porque é que fiz isto, aquilo...
É apego? É vício. Maneira de ser. Não tenho apego às coisas que faço. Quando estão acabadas, esqueço-as. O apego só existe enquanto a obra é susceptível de transformação.
Voltando aos amigos, disse que também são um vício, e tem esta frase muito bonita: "Largo tudo por um amigo. Os amigos são uma necessidade biológica." Mas agora também é difícil ter amigos. Aliás, sempre foi. Sou de amigos, mas não indiscriminadamente.
Como é que hoje pratica a amizade? Hoje já não se escrevem cartas, e eu não escrevo e-mails. Sou de ver e de estar.
E quem faz parte do núcleo? (pausa) O António Lobo Antunes, por exemplo, com quem normalmente estou a solo. O António tornou-se num bicho-do-mato e não fica contente se o acasalarmos. Saía muito com o Solnado na parte final da vida dele e, de vez em quando, vou ao Porto para ver os meus amigos arquitectos: o Siza, o Alcino Soutinho, o Rogério Cavaca e as senhoras respectivas. Em Paris, que também está a começar a ficar um bocado ratado, estava muito com o António Dacosta, que era, digamos assim, o meu companheiro mais próximo. Bom, isto talvez seja um bocado desagradável. Há pessoas com quem saio, como se costuma dizer, e é um pouco complicado nesta situação pública de amigos não as incluir.
De quem é que sente mais falta? Da Menez. E era isto precisamente que estava a tentar dizer. Há muitas pessoas com que me dou e de quem gosto muito. Mas chegar àquele nível de intimidade de tripas na mão é outra coisa. E, feito o balanço, sempre tive tendência para criar uma relação de intimidade mais franca com as mulheres.
Não é geralmente assim com a maioria dos homens? Talvez. Mas também não me quero armar nem em regra nem em excepção.
Também foi um homem de várias relações. Tive algumas, mas não exageremos...
Quantos casamentos foram? Ligações duradouras, umas cinco, ou coisa assim.
Já é uma vida... E comprida!
E o que aprendeu sobre o amor? A situá-lo como uma necessidade absoluta. Como o ar que se respira.
E a família, que lugar tem? Sou um péssimo elemento de família. Péssimo pai, péssimo tudo... Sempre fui.
Isso pesa-lhe? Um bocadinho. Nunca dei à família a atenção que dá a maioria das pessoas.
Sempre sentiu isso ou é um balanço de agora? É um balanço. As coisas sempre me foram acontecendo naturalmente.
Na sua autobiografia, em que faz uma selecção de obras, não tem um retrato da Menez, embora seja um homem do retrato e tenha pintado os amigos. Pois não, nunca o fiz. Engraçado... E, a bem dizer, nunca me lembrei disso. Vê como as pessoas são esquisitas?
Se hoje fizesse o retrato de Mário Soares, outro grande amigo, como o que fez para o representar enquanto Presidente da República e que foi tão polémico, ainda o pintaria da mesma maneira? Sim. Mas o que posso dizer? Contrariamente àquilo que as pessoas julgam, tenho muito pouco controlo sobre o que faço. Sai-me como um furúnculo que tem de se espremer.
Refere-se a si como pintor, não como artista, como agora se usa. Ah, sim! Não que não tenha feito outras coisas, mas o eixo está aí. Não é mal nem bem, é assim.
Também escreve poesia e já editou. E quem não escreve poesia neste país? Quando frequentava a António Arroio, o meu companheiro número um era o Mário Cesariny. Evidentemente que faltávamos a muitas aulas e íamos para os campos do Areeiro, que só tinham carneiros a pastar, e era poesia para cá, poesia para lá... A primeira vez que publiquei foi porque o Herberto Helder quis pôr uns versos que eu tinha escrito numa antologia que editou. Chamava-se "Nova".
Como conheceu o Herberto Helder? Nas vidas de Lisboa, no final dos anos 60, quando ele ainda não era um personagem tão fechado. Com o Mário Cesariny houve um incidente curioso, porque ele não conseguia passar a Matemática e eu dava-lhe explicações. Por esta altura, o Mário conheceu o Fernando Lopes Graça, ficou muito entusiasmado, propôs-se ter lições com ele, e a família disse-lhe: "Matemática está bem, mas isso das músicas é que não." Portanto, o meu salário de explicador foi partilhado com o Lopes Graça. Não sei se o Fernando chegou a saber disso risos.
E as explicações serviam para alguma coisa? Nunca passou de ano!
Nessa época, qual era a sua Lisboa? Morava na Avenida João Crisóstomo, as chamadas Avenidas Novas...
Foi aí que nasceu? Não! Nasci na Rua das Janelas Verdes, num quarto andar sobre o Tejo. Vivi nessa casa até aos 6 anos. Mas foi o suficiente para ficar com uma grande impressão. O Tejo dessa altura tinha uma vida de porto à antiga. Havia os navios que entravam, todo o trânsito de passageiros, e tinha um movimento incrível. Marcou-me muito. Naquela altura não se dizia rio, dizia-se o mar. Na linguagem de Lisboa, ir a Cacilhas era atravessar o mar. Mas do que me lembro fundamentalmente é da janela, do Sol a entrar pela casa e do que se passava lá fora. Era um espectáculo que mudava constantemente. Já nessa altura, o "menino", como se dizia, não emprenhava pelos ouvidos, mas pelos olhos. E assim ficou.
Com quem morava nessa casa? Com duas irmãs, mais velhas, e com a minha mãe. A história da família é simples. O meu pai morreu quando eu tinha um mês. A minha mãe tinha aprendido a tocar piano e a falar francês e foi trabalhar como secretária para um escritório de um judeu polaco na Rua de São Nicolau, na altura em que começaram a aparecer os judeus foragidos da Europa Central. Eu era muito miúdo, acompanhava a minha mãe ao escritório e ficava lá sentadinho a fazer bonecos ou a ver as imagens de um "Petit Larousse" ilustrado. Então, as imagens não eram fotografias, mas desenhos, e, para mim, aquilo era um paraíso. A vista da janela e o som da rua desse escritório, com a presença do eléctrico, muito activo, também me marcaram... Enfim, pareço o Ricardo Reis. Mas era assim exactamente a Lisboa que conheci. Há aqui outra história que é muito importante.
Conte lá. Para garantir assistência às crianças, fomos recuperados para um tio comerciante e com posses, que tinha armazéns ali ao Terreiro do Paço. Um dos armazéns dele era a Casa dos Bicos. Esse meu tio frequentava muitos jornalistas, sobretudo os ditos de esquerda, republicanos e tal... Lembro-me que às vezes me levava, depois do jantar, ao Café Nicola, e eu, com um sono medonho, ficava a ouvir as conversas. Naquela altura, havia muita conspiração. Após uma tentativa de golpe em que um dos participantes se refugiou lá em casa, e depois de o senhor já ter saído, apareceu a polícia. E o facto é que embarcou o meu tio - e o porteiro, que estava a tomar banho e que não abriu logo a porta - e vai tudo de cruzeiro para Timor! Foi deportado? Era assim que se dizia, e a consequência é esta. Entre os senhores que iam no barco, havia um velho republicano, escultor e professor de desenho, chamado Costa Mota Sobrinho. Deve ter acontecido o meu tio dizer: "Tenho lá em casa um miúdo que está sempre a desenhar", e o Costa Mota responder: "Manda-me o miúdo para a António Arroio." E assim fica a vocação decidida.
Quantos anos tinha? Teria 8. Ia como aluno de favor. Comecei a frequentar aquilo e nem sequer tinha a instrução primária.
Portanto, toda a sua 'gramática' foi sempre a do desenho. Sempre. Mas a António Arroio seguia um ensino académico que não tem nada a ver com a aprendizagem do desenho como é feita hoje. Os meninos exprimirem-se eram problemas metafísicos que nem se punham. Lembro-me do primeiro desenho que fiz, um modelo em gesso de uma folha de erva, estilizada, evidentemente. Agarrei num carvãozinho, desenhei o corpo todo da folha, simétrica, e depois no ponto em que se cruzavam todas as linhas fiz uma espécie de coisa como um umbigo, que não estava lá, mas achei que o desenho precisava de qualquer coisa. Claro que o professor apagou tudo e começou a mostrar como é que se fazia.
Ser artista estava fora dos contextos sociais daquela época. Foi uma sorte terem-lhe determinado a vocação. É preciso dizer que quando entrei para a Escola de Belas Artes era para seguir Arquitectura. A morte do meu tio facilitou a minha matrícula em Pintura. Acabei por ir fazer Belas Artes no Porto. Em Lisboa, a escola era dirigida por um homem perfeitamente horroroso, que tinha ideias muito exactas. Uma delas era que a António Arroio não dava a formação necessária para se ser arquitecto, de modo que chumbava sistematicamente quem vinha de lá.
Foi contrariado? Não! Em primeiro lugar, era uma saída de casa, e no Porto havia professores que tiveram uma certa importância na vida cultural do país: Dórdio Gomes, de Pintura; Carlos Ramos, de Arquitectura... Foi uma abertura do ponto de vista do ambiente académico e não só. O Porto tinha outra grande característica, pelo menos no que diz respeito às chamadas artes, que era a convivência entre os estudantes e os adultos. É claro que a participação política já aproximava as gerações. Nos cafés frequentados pelos estudantes de Belas Artes, o Majestic, a Brasileira, quase não havia separação entre um estudante do primeiro ano, como eu, e um adulto. Claro que eu era um aluno especial...
Porquê? Porque vinha de Lisboa e já punha quadros nas exposições.
Tinha um certo estatuto? Exactamente. Mas a outros acontecia o mesmo. Isso só tinha importância na medida em que me veio parar às mãos o primeiro trabalho importante que fiz.
O mural para o Cinema Batalha. Foi uma boa encomenda? Até me casei!
Quantos anos tinha? 20. Um disparate pegado. Mas a encomenda dessa obra apareceu, e isto é preciso que se explique - e não pense que é uma coisa de modéstia, aí seria completamente parvo -, porque as condições facilitaram muito. Eu e uns colegas de Belas Artes tínhamos feito uma exposição em Lisboa, num quarto alugado na Rua das Flores a que chamávamos pomposamente ateliê, e foi tudo ver, porque naquela altura não se passava nada! Portanto, quando havia qualquer coisa, nem que fossem uns miúdos a fazer uma exposição, toda a gente ia ver. Estou a falar nisto por causa da estranheza do facto. Havia uma certa facilidade para um jovem principiante poder saltar da trincheira para fora.
O primeiro quadro que vendeu foi nessa exposição, precisamente ao Almada. Lá está, o Almada só foi lá espreitar porque tinha tempo.
Que quadro era? Um pequeno cartão com uma série de saltimbancos.
Sentiu-se orgulhoso? Claro!
O Cinema Batalha abriu com a pintura por acabar. Foi por essa razão que esteve quatro meses preso em Caxias? Também.
Na altura, já era militante do Partido Comunista? Isso foi antes. Ainda antes do Movimento de União Democrática MUD. Não fui preso na qualidade de militante comunista. Dadas as circunstâncias da minha vida naquele tempo, seria muito difícil não acontecer.
Quem o introduziu no PC? O Guilherme Carvalho. Era meu amigo e vizinho no Porto. Conheci-o ainda antes de ele ter entrado para a clandestinidade. Coisa que, aliás, não renego nem rejeito e que me foi muito útil.
Útil em que sentido? Primeiro como plataforma. Era um local de acesso para um certo entendimento e convívio com uma elite intelectual, nunca esqueçamos isso. Tive uma saída que não foi espectacular, não fui hostilizado nem hostilizei. Simplesmente deixei de ir.
Dava-se bem com a disciplina do partido? Não. Mas tive uma vida activa, não foi só "31 de boca"...
Em relação a este assunto e à sua passagem por Caxias, parece querer manter uma certa reserva. Sabe, é que eu sou pato mudo.
Até agora não me pareceu nada. Ah! Mas sou! E, se há mais pessoas a falar, calo-me logo. Também já percebi que, se falam comigo por simpatia, não é preciso responder, porque não estão à espera de resposta. Experimente nessas reuniões não responder ou dizer uma coisa que não tem nada a ver...
Nas inaugurações, como é que faz? É uma coisa horrorosa! Vou às minhas com um sorriso estampado.
Aí é o anfitrião. Claro. Não posso fazer como o Herberto Helder. Aí sou igual aos outros. Sou mau actor, mas também sou capaz de representar.
Mas aos artistas também se permitem maiores excentricidades. Até certo ponto. Essa situação de me armar em fenómeno não me agrada nada. Detesto os Dalís de serviço.
Acompanha o que hoje se produz? Deixei de frequentar assiduamente exposições. Hoje assiste-se a uma mediatização de coisas que ficariam completamente na sombra. Basta ir aos museus e ver que a maior parte do que lá está tem uma qualidade bastante medíocre. O que é próprio desta coisa que a gente gosta, e à qual chama Arte, é que de repente aparecem uns fulanos que rebentam com tudo, nos forçam a vê-los, a pensar neles e a esquecer completamente todos os outros.
Como sabemos se estamos, inequivocamente, perante uma obra de excepção? Penso que é o poder que ela tem de ficar a mandar. E, neste sentido, posso falar de transcendência.
As obras que provocam esse efeito em si são as mesmas ou foram-se alterando? Alteraram-se, claro. Das primeiras paixões que tive foi um Goya. Nessa altura passei ao pé do Velázquez e não o entendi. Com os anos, a situação inverteu-se. Um pintor que tive muita dificuldade em entender, mas que cada vez me cavalga mais, é o Poussin. Foi sempre uma grande discussão com a Menez, porque ela foi sempre cavalgada pelo Poussin.
Quantas horas é capaz de se perder a olhar para um quadro? Não sei. A visão é um órgão muito frágil. Nunca medi o tempo que é possível estar a olhar para um objecto de que gosto em observação cuidada e estudiosa. Seria interessante ver. Trazemos para casa livros com as imagens dos pintores de quem gostamos. Depois, a frequência com que são vistos é que é extremamente curiosa, e é isso o que mede a frequência do diálogo.
E os reencontros com um quadro seu que perdeu de vista, como são? Isso gosto muito, de reencontrar coisas que perdi de vista! Quer dizer, posso gostar muito, mas se não traz surpresa é um bocado desagradável risos. Exactamente porque tenho este bicho-carpinteiro dos meninos que não param quietos.
Qual é o museu que gosta de revisitar? O primeiro grande museu que vi foi o Prado e continua a apetecer-me.
E onde gostaria de ficar exposto? Oh, diabo! Há aquela história célebre do Picasso que em tempos, quando o Malraux era o ministro da Cultura, vai uma noite ao Louvre com os seus quadros para os pôr ao lado de outros. Isto seria uma coisa que nunca me passaria pela cabeça. Posso estar tremendamente enganado, mas acho que tenho um raio de uma maneira de ser que se calhar com a idade começa a ficar ridícula.
Não diga isso. Deixe-me dizer disparates! Lembro-me que, quando fui para Paris, fiquei uns anos sem vir cá. Deve ter sido em 1966. Quando voltei, juntei amigos de várias gerações num almoço. Então era um bocado mais novo do que sou hoje e já tinha sido catapultado. Descontraidamente, disse que achava que éramos todos uns putos e que estávamos todos a começar. Fui muito mal visto, porque os putos não gostam que lhes chamem putos e os que não são putos não gostam de ser considerados putos. Foi um frio muito grande!
Não respondeu sobre o museu onde gostaria de ter uma obra sua. O Prado. Onde, de resto, levei a minha primeira inundação de pintura. Como já está a ver da conversa, sempre fui muito respeitador da tradição.
Foi para Paris em 1963, mas não chegou a estar exilado, pois não? Não, nunca estive, sempre vim regularmente a Lisboa. Fui com uma bolsa e também com contrato para uma galeria, que era uma coisa rara.
Foi fácil sair? Nessa altura já tinha os dois filhos. Coincidiu com o fim de uma relação e o começo de outra. Tudo isto anda pegado.
Atraía-o a ideia de internacionalização ou era sobretudo a experiência de Paris, a cidade mítica da sua geração? Tinha muito a ver com essa questão da aprendizagem e do acesso às fontes. Tive sempre uma dependência grande dessa coisa da cultura e da vontade de aprender. Nunca gostei de estar sozinho.
E o reconhecimento? Evidentemente que é importante.
Chegou onde quis? Não. Acho que foi fundamental a mudança, mas dizer que tive implantação no meio parisiense não é verdade. É um meio muito grande, que não é nada fácil. Essas coisas não acontecem sozinhas. É preciso todo um círculo de relações para as coisas funcionarem, e eu nunca o cultivei.
A sua Paris eram os amigos, os artistas portugueses. É normal, todos o fazem. Dessa geração que saiu para Paris no final dos anos 60 - René Bértholo, Lourdes Castro, Costa Pinheiro, Eduardo Luís, Jorge Martins -, eu era o mais velho e tinha condições, a uma escala muito reduzida, evidentemente, para não fazer outra coisa senão pintar. Fui com as costas quentes, como se diz.
Quando é que começou a dar conta do seu estatuto? Qual estatuto?
O do pintor a quem se encomenda a obra para as comemoração da República... Há mais.
O seu nome não faz parte da galeria dos consagrados? (Risos) Isso do estatuto é uma coisa que nos vamos dando conta aos bocadinhos, não aquece nem arrefece. Claro que é mais agradável do que o contrário, sem dúvida.
O que é que lhe permite? Nada em particular. Evidentemente que se isso traduzir uma certa simpatia é agradável. Uma vez, parámos em Fátima para almoçar no Tia Alice e, quando chegou a altura da conta, disseram que era uma honra. Fiquei todo babado, nunca me tinha acontecido uma coisa dessas. Também acontece muito os meninos virem pedir um desenho num bocado de papel. Normalmente, são os papás que instigam.
E faz? Faço sempre.
Vai ter uma fundação com o seu nome... Houve problemas com as obras. Mas, agora, espero que o assunto fique de uma vez por todas desbloqueado.
O projecto é do arquitecto Siza Vieira. Foi escolha sua? Foi. Somos amigos, e ele é um grande arquitecto. Andarmos nisto é óptimo, porque é um pretexto para a gente se ver.
"O acaso é a matemática mais rigorosa que se oferece a cada pessoa." Esta frase é sua. Explique lá. Nunca percebi muito de matemática, mas sempre que falei sobre coisas destas, com gente da Matemática, cheguei à conclusão que estas coisas vagas e nebulosas tinham sempre correspondência com coisas muito exactas.
No seu caso, quais foram os seus acasos matemáticos? Por exemplo, o quarto andar da Rua das Janelas Verdes, esse acaso de ter lá nascido condicionou a minha vida toda e os acontecimentos que vieram depois. "Le hasard et la nécessité..." Tudo isto anda ligado com as ciências exactas. Eu não invento coisa nenhuma."
sexta-feira, 23 de outubro de 2009
sábado, 5 de setembro de 2009
Vitamina A
Chamam-lhe “pão de ouro” e é fácil perceber porquê. Tem uma cor alaranjada, como salta à vista assim que o padeiro tira a última fornada à frente dos clientes que se amontoam na padaria. Estão a comprar os novos pãezinhos, muito populares em Moçambique. “Este pão tem outro sabor. É diferente. Vou voltar a comprar o pão de ouro”, garante um deles.O novo tipo de pão é uma das muitas expressões de uma revolução que começou em Moçambique há cerca de dez anos, entrou na vida das populações rurais e avançou para outros países africanos. A revolução laranja, como é chamada, envolveu a introdução de uma nova cultura agrícola em Moçambique — a batata-doce de polpa alaranjada. Nada tradicional naquele país, esta cultura tem-se revelado uma arma na luta contra a malnutrição e a prevenção da cegueira. Esta batata-doce contém grandes quantidades de beta-caroteno, que o corpo humano depois converte em vitamina A e que é importante para a visão. Por ano, três milhões de crianças apresentam deficiências de vitamina A e, dessas, 500 mil ficam cegas. Nos países em desenvolvimento, a deficiência em vitamina A é mesmo a principal causa de cegueira que é perfeitamente evitável. Uma forma de atacar o problema a curto prazo é distribuir cápsulas de suplementos de vitamina A às crianças. Em Moçambique, foi isso que Ministério da Saúde começou a fazer em 1999, com a ajuda da Unicef e da Helen Keller International (HKI), organização fundada em 1915, com sede em Nova Iorque, que se dedica a combater a malnutrição e as doenças da visão.Mas para cortar o mal pela raiz havia que introduzir uma mudança na alimentação das populações, para que comessem vitamina A em quantidades suficientes. Foi posta em marcha a operação da batata-doce de polpa alaranjada, no fim dos anos 90, para substituir a batata-doce de polpa branca, cultivada no país mas sem vitamina A.A operação contou com vários parceiros, como o Centro Internacional da Batata, o Instituto de Investigação Agrária de Moçambique ou a HKI. Primeiro, houve que escolher as variedades que se davam bem nos solos moçambicanos e que tivessem teores elevados de vitamina A. Depois, houve que promover a produção e o consumo desta batata, para que entrasse em força na vida de toda a gente. Os agricultores tinham assim de começar a plantar esta batata. As populações tinham de ficar a saber como é rica em vitamina A e aprender a cozinhá-la, para a incluírem como novo alimento.Onda laranjaA HKI desenvolveu então uma estratégia de comunicação, que passou por programas de rádio, teatro de rua e distribuição de t-shirts e bonés. A cor laranja apareceu por todo o lado, desde os sítios de venda da batata até a cartazes na rua (“para boa visão e saúde”, lê-se num deles). Para saber como preparar comidas ricas em vitamina A, treinaram-se mulheres, que por sua vez treinaram outras mulheres (em 2008, 12 mil tinham recebido formação para melhorar a saúde nutritiva dos seus filhos). O trabalho da HKI passou ainda pela formação de trabalhadores agrícolas e a colaboração com escolas, onde se distribuíam as plantas.E inventaram-se receitas novas. É o caso do pão de ouro. A equipa de Jan Low, do Centro Internacional da Batata (CIP), estudou a possibilidade de a batata-doce de polpa alaranjada substituir parte da farinha de trigo (quase sempre importada e cara) utilizada no fabrico do pão. A receita do pão de ouro substituiu 38 por cento da farinha de trigo por puré de batata-doce, refere um artigo no relatório anual de 2007 do CIP. Fabricado inicialmente em padarias rurais no centro de Moçambique (Zambézia), passou depois a ser promovido noutras províncias, como Tete, Maputo e Gaza. A batata-doce alaranjada revelou-se fácil de cultivar, resistente à seca e com produções elevadas. Tornou-se moda. “Os testes de sabor mostraram que as pessoas têm uma grande preferência pelo pão de ouro em detrimento do pão branco de farinha de trigo, por causa da sua textura mais pesada, melhor sabor e o seu atractivo aspecto dourado”, conta-se no artigo. Esta história é relatada também no site da HKI e num documentário que ali se encontra (A Revolução Laranja), elaborado pelo Centro Internacional da Batata. É nele que se vê a padaria moçambicana com os pães de ouro ou os cartazes na rua. Onze países africanos lançaram-se entretanto na luta contra a deficiência de vitamina A (como a Zâmbia, o Malawi, a Tanzânia ou o Quénia) através do cultivo e consumo de variedades de batata-doce de polpa alaranjada. “Moçambique é especial para nós. Foi onde começou o projecto da batata-doce. Agora queremos reproduzi-lo noutros países”, conta-nos a presidente da HKI, Kathy Spahn, que prontamente comeu sobremesas de polpa alaranjada quando visitou aquele país. “Eram saborosas”, garante. “Uma das variedades tem duas vezes a dose de vitamina A recomendada por dia.”O prémioA história de sucesso da batata-doce alaranjada é um dos muitos projectos da HKI (em Portugal existe uma escola com o nome da activista política e palestrante norte-americana, mas nada tem a ver com aquela organização). Neste momento, a HKI combate a malnutrição e doenças de visão em 22 países, em parceria com 300 organizações não governamentais. Tem 560 funcionários espalhados pelo mundo e muitos voluntários, tantos que Kathy Spahn nem sabe dizer quantos no total. Só na Serra Leoa, os voluntários são mais de 30 mil. “Como os mantemos incentivados? Recebem uma t-shirt e um certificado a dizer que são voluntários. É muito pouco”, diz.“Somos uma organização de assistência técnica. Uma boa parte dos fundos que recebemos vai para peritos e funcionários no terreno, que fornecem treino a organizações locais. Podem ser nutricionistas, especialistas da área da saúde, oftalmologistas. Estamos nos bastidores. O nosso grande sonho é deixarmos de ser necessários.”Foi esse trabalho que a Fundação Champalimaud acabou de distinguir hoje, na terceira edição do Prémio António Champalimaud de Visão 2009, entregue no Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa, pelo Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva. Este prémio “foi entregue como reconhecimento pelos notáveis resultados na prevenção e combate à cegueira nos países em vias de desenvolvimento, e em particular pelos avanços nas últimas décadas no controlo da deficiência de vitamina A – uma das principais causas de morte e cegueira infantil”, refere um comunicado da fundação. Para Leonor Beleza, presidente da Fundação Champalimaud, este prémio reconhece “um trabalho extraordinário que leva luz à sombra e esperança à resignação a milhões de pessoas em África, especialmente em Moçambique, e na Ásia”. O que significa um milhão de euros, o valor do prémio, para a HKI? “Significa muito. É incrivelmente raro receber um fundo para ser gasto como quisermos, sem restrições”, responde Kathy Spahn. Neste ano, a organização dispõe de 37 milhões de dólares (26 milhões de euros) para as suas actividades, dados por governos, fundações ou empresas, sem incluir por exemplo doações de medicamentos por empresas farmacêuticas. Como vai usar-se o prémio? Kathy Spahn diz que nos seus planos está a continuação dos programas de distribuição de suplementos de vitamina A, hoje em curso em 18 países africanos e asiáticos e que abrangem 19 milhões de crianças. “É relativamente fácil chegar a 80 por cento das crianças. Com este fundo, queremos fazer programas que ajudem a atingir os últimos 20 por cento.” Essas são principalmente as crianças com menos de seis meses. “Vivem em áreas remotas ou em bairros de lata”, explica Kathy Spahn. “Também queremos fazer com que os suplementos de vitamina A não sejam necessários. Uma maneira é treinar as mães a cultivar frutas e vegetais ricos em vitamina A.” Sinal disso é a cor alaranjada de papaias, cenouras ou mangas. Entre outras iniciativas, a HKI está envolvida no tratamento do tracoma, a principal causa de cegueira infecciosa, que origina cicatrizes no interior das pálpebras, levando as pestanas a curvarem-se para dentro do olho e a arranharem a córnea. Nas fases iniciais, é tratável com antibióticos. A erradicação da cegueira dos rios, causada por parasitas, ou o tratamento das cataratas através de cirurgia são outros exemplos de iniciativas. Mas há ameaças novas, lembra Kathy Spahn. Com a epidemia de obesidade, a diabetes não tem parado de aumentar e uma das suas complicações é o aumento da retinopatia diabética. No Bangladesh e na Indonésia, onde esta doença está a tornar-se uma ameaça, a HKI tem projectos-piloto.Tratar grande parte dos casos de cegueira é sobretudo uma questão de recursos humanos e financeiros, frisa Kathy Spahn, que deixa a mensagem: “Oitenta por cento da cegueira é evitável ou tratável. Isto quer dizer que existem os conhecimentos para tratar estes casos.” ' - no PÚBLICO, por Teresa Firmino.
sábado, 4 de julho de 2009
Como quem muda de cueca
Nem sequer me revolve as entranhas o facto de alguém querer mudar de nacionalidade como quem muda de cueca. O capricho trajado a egoísmo descalço com adorno de mesquinhez cobre aquilo que é intocável: a honra de nascer donde se nasça, porque cada um é um pouco dessa ilha.
Assim que possa irei até à praia de Belém.
Vou aos saldos.
Assim que possa irei até à praia de Belém.
Vou aos saldos.
terça-feira, 30 de junho de 2009
copo, gravata, estrado que rola e vento na porta do chão de orvalho fresco na pele
o Café Müller da Sra. D. Pina Bausch
sábado, 27 de junho de 2009
Será interessante elaborar uma árvore profissional que ilustre quantas serão as especialidades profissionais afectadas pela não construção do que quer que seja, sem esquecer o bater das asas da borboleta....
Melhor será para alguns o esperar por uma vindoura garrafa de coca-cola, caída por entre imbondeiros...ou, bem vistas as coisas, encontrada neste imenso carvalhal.
"52 CONTRA 28: Combate entre economistas pelas grandes obras.
Melhor será para alguns o esperar por uma vindoura garrafa de coca-cola, caída por entre imbondeiros...ou, bem vistas as coisas, encontrada neste imenso carvalhal.
"52 CONTRA 28: Combate entre economistas pelas grandes obras.
A favor do investimento público e contra as verdades absolutas dos economistas. José Reis, professor de Economia na Universidade de Coimbra e ex-secretário de Estado de Guterres na pasta do Ensino Superior, divulga hoje o seu manifesto a favor do investimento público como instrumento de política social de criação de emprego. Tal como i noticiou esta semana, esta é a primeira resposta ao manifesto avançado no passado sábado por 28 economistas e gestores (ver texto à direita), que pediram ao governo socialista que pare e repense os grandes projectos de obras públicas. O documento proposto por este economista de Coimbra - "O debate deve ser centrado em prioridades: só com emprego se pode reconstruir a economia" - reúne 52 assinaturas de pessoas maioritariamente ligadas à economia, mas onde também aparecem sociólogos, psicólogos e engenheiros agrónomos. "Afastamos completamente a ideia de que os economistas são agora os juízes da pátria, que há um saber económico que se sobrepõe às decisões colectivas", explica ao i José Reis, em resposta ao manifesto dos 28, onde entram nomes como Eduardo Catroga, Miguel Cadilhe ou Silva Lopes. André Freire, politólogo, professor do ISCTE e um dos subscritores do documento, acrescenta que "a economia não pode ser uma matéria reservada aos economistas". "Sou um defensor da chamada economia social, que é muito, muito importante neste cenário de crise que o país está a viver", afirma.A irritação que o manifesto dos 28 causou em muitos economistas portugueses deve-se ao tom de certeza absoluta com que os seus princípios contra os investimentos públicos foram enunciados, explica José Reis. Ao i, os promotores de um segundo contramanifesto que está a ser preparado a favor das obras públicas - Luís Nazaré, António Mendonça e Brandão de Brito, todos do ISEG, em Lisboa - já tinham exposto a mesma linha de raciocínio: a economia não se derrama para calar políticas públicas, não há conhecimento económico imperativo.À parte o estilo, a divergência de fundo deste manifesto de José Reis (ver texto à esquerda) face ao dos 28 é clara: em fase de recessão, o problema central da economia portuguesa é o desemprego e não o endividamento externo e público. Reis calcula que a taxa de desemprego em dois dígitos (12% em 2010, prevê a OCDE) custa 21 mil milhões de euros por ano ao país, em capacidade de produção desperdiçada, mais despesa em protecção social. Perante isto - e com a queda livre das exportações e do consumo e investimento privados -, a saída é clara, argumenta este manifesto. "Julgamos que não é possível neste momento enfrentar os problemas da economia portuguesa sem dar prioridade à resposta às dinâmicas recessivas de destruição de emprego. Esta intervenção, que passa pelo investimento público económica e socialmente útil, tem de se inscrever num movimento mais vasto de mudança das estruturas económicas que geraram a actual crise", aponta o documento. O debate sobre as grandes obras públicas na área dos transportes - TGV, aeroporto e auto-estradas - tem dominado o debate político entre o governo de José Sócrates e o PSD de Manuela Ferreira Leite, com o manifesto dos 28 a dar força à posição laranja, falando da rentabilidade e "timing" duvidosos destes projectos. Este novo manifesto não se pronuncia directamente sobre obras específicas - para José Reis, um dos seus objectivos do manifesto que promove é repor na agenda política e pública a importância do investimento público, "que tem sido retratado como sendo nocivo e comportando um fardo para a sociedade". A maioria dos subscritores é a favor dos projectos em si, embora discorde de aspectos como o traçado do TGV ou a localização do aeroporto em Alcochete. Já o documento de Luís Nazaré - que surgirá na próxima semana - deverá incidir mais sobre os projectos e menos sobre a questão social, apurou o i.Contra a necessidade de fazer mais estudos sobre a rentabilidade dos grandos grandes projectos, José Reis discorda - os estudos existem, há é que manter a decisão política. "Por outro lado não quero que um governo decida com base exclusiva em estudos de custo benefício, mas também em nome de outros valores, incomensuráveis [como o bem-estar social]", defende. A escalada na guerra de argumentos entre economistas e académicos - uns mais liberais (os 28, embora a homogeneidade não impere), outros mais keynesianos - à volta das grandes obras públicas surge depois do governo ter recuado na primeira decisão que seria vinculativa para a construção da rede de alta velocidade. A primeira ordem, após a derrota nas eleições Europeias, era para manter as políticas e os processos de adjudicação em curso, apesar da exigência do PSD. Dias depois, o governo moderou o discurso e acabou por anunciar o adiamento da decisão no concurso que ia adjudicar em Julho o primeiro troço da rede de alta velocidade (TGV), entre Caia e Poceirão, da linha Lisboa/Madrid. " - Bruno Faria Lopes, publicado em 27 de Junho de 2009 em www.ionline.pt
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